O estudioso polonês fala sobre
tédio, frustração e
insatisfação
É difícil falar sobre características da
contemporaneidade, das transformações culturais e do universo do consumo
permeado por projeções e distorções sem citar o nome do sociólogo polonês
Zigmunt Bauman, professor emérito das universidades de Leeds e Varsóvia. Com
quase 60 livros publicados, 32 deles no Brasil, o pensador se tornou uma
referência em dissertações, teses e reflexões nas variadas áreas das ciências
humanas: há mais de uma década, a ideia de “liquidez” das relações, apresentada
por ele, incorporou-se à linguagem de psicólogos, psicanalistas, educadores,
filósofos e antropólogos.
Em sua obra mais recente, A cultura no mundo líquido
moderno (Zahar), com lançamento previsto para este mês, o pensador – que
completa 88 anos dia 19 de novembro – retoma o tema das relações voláteis,
detendo-se em perspectivas históricas da cultura.
Na entrevista a seguir, Bauman fala a respeito de
frustrações, tédio e do que chama de “substitutos de satisfação”: “Viagens oferecem
fuga e descanso momentâneo; no entanto, por mais que nos aventuremos pelo mundo
das compras ou façamos viagens exóticas, aquilo que procuramos continuará
ausente”. Confira:
Mente e Cérebro: Hoje em dia, com tantos recursos
tecnológicos, podemos fazer mais coisas em menos tempo, mas o mundo enfrenta
uma epidemia sem precedentes de estresse e depressão. Parece que certas
conquistas tecnológicas não nos deixaram necessariamente mais felizes.
Zigmunt Bauman: É verdade que podemos fazer mais em menos
tempo. O problema é quão efetivas são nossas ações... Estresse e depressão
decorrem da experiência generalizada de infelicidade e desesperança, o que nos
relembra da comprovada (ou pelo menos suspeita) ineficácia de nossas ações. A
maioria de nós se sente ignorante ou impotente a respeito do que o futuro
reserva e, mesmo se soubéssemos que uma catástrofe se aproxima, poderíamos
fazer muito pouco ou nada para evitar sua chegada. A inadequação de recursos
diante dos impressionantes desafios e das grandiosas tarefas que enfrentamos é
o que mais nos assombra e atormenta. Faltam-nos meios de ações conjuntas
capazes de conter perigos coletivos. Como disse Ulrich Beck (sociólogo e
psicólogo alemão, autor do conceito de “sociedade do risco”), atualmente temos
buscado soluções individuais para problemas produzidos coletivamente – uma
demanda superior às habilidades e aos recursos que a maioria de nós possui.
P: Em seus últimos livros o senhor tem feito reflexões
sobre juventude e educação. De que maneira pais, professores e terapeutas podem
ajudar as novas gerações a se afastar da banalidade do consumismo, das soluções
individuais e buscar formas mais autênticas e criativas de lidar com conflitos?
ZB: Afastar-se da percepção de mundo consumista e desse
tipo de atitude individualista contra o mundo e as pessoas (uma postura que,
aliás, somos incitados, seduzidos ou forçados a assumir) não é uma questão a
ponderar, mas uma obrigação determinada pelos limites de sustentabilidade desse
modelo da vida que pressupõe a infinidade de crescimento econômico (em outras
palavras, a redução cada vez mais dos recursos do planeta).
Segundo esse modelo a felicidade está obrigatoriamente
vinculada ao acesso a lojas e ao consumo exacerbado. Mais cedo ou mais tarde
(na verdade, muito antes do que imaginamos) esse “afastamento” da percepção
consumista terá de acontecer... No entanto, as dores e os dramas do jovem atual
estão relacionados ao fato de ser a primeira geração pós-guerra que precisa
enfrentar esse ponto em branco. Ou seja, tem de se preocupar em defender aquilo
que foi deixado pelos pais em vez de usar esses recursos como ponto de partida
para mais conquistas.
E precisam fazer isso no momento em que as habilidades
exigidas para pensar em alternativas para lidar com os desafios da vida, buscar
a felicidade e conferir sentido às vivências foram esquecidas ou estão
enferrujadas...
P: Apesar da crescente quantidade de estímulos externos
(como TV e internet), as pessoas estão cada vez mais entediadas. Parece que
estamos perdendo a capacidade de encontrar estímulos internos. Por quê?
ZB: Ao longo de várias décadas, e particularmente nos
últimos 30 anos da orgia consumista, temos sido treinados e forçados a buscar o
sentido da vida no entretenimento e prazer. Fomos condicionados a ser
intolerantes a todo desconforto e inconveniên-cia em qualquer área da vida ou
tarefa que exija determinação, força de vontade, esforço árduo e prontidão para
a privação pessoal. Aceitamos informações somente do tipo infotainment
(expressão que designa mensagens midiáticas que integram elementos de caráter
jornalístico e de entretenimento) e estamos dispostos a aprender apenas por
edutainment (“education” + “entertainment”: metodologia aplicada a treinamentos
que recorre à pedagogia e ao entretenimento por meio do uso intensivo de jogos
e de atividades lúdicas).
P: É comum buscarmos fugas que deixam a impressão de que
falta tempo para viver e desfrutar de tudo o que poderíamos. E o mais provável
é que cada vez tenhamos mais opções. Qual a consequência disso?
ZB: Embora seja tentador poder “escolher” entre essa
aparente profusão de opções, o problema é que a maioria delas leva a lugares
distantes da raiz dos nossos conflitos e aflições, impedindo que os
enfrentemos. Lojas vendem alívio de curto prazo, substitutos das satisfações
que buscamos e precisamos, como viagens que oferecem fuga e descanso
momentâneo…
No entanto, por mais que nos aventuremos pelo mundo das
compras ou façamos viagens exóticas, aquilo que procuramos continuará ausente.
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