Um
indivíduo que apenas detectasse estímulos e respondesse a eles viveria
eternamente no presente
Dizem
os livros didáticos que o sistema nervoso serve para "detectar estímulos e
responder a eles".
Pode
ser -mas isso até amebas e bactérias fazem, e com uma célula só. Um indivíduo
que apenas detectasse estímulos e respondesse a eles, ainda que de forma
coordenada e organizada, viveria eternamente no presente, incapaz de enxergar
para frente ou para trás no tempo, e não teria a menor capacidade de reviver
experiências do passado, fazer planos para o futuro -nem de sofrer por
antecipação.
Não
consegui deixar de pensar nisso no dia mais longo da minha vida: terça-feira
passada, quando meu pai tinha uma cirurgia cardíaca marcada para contornar três
coronárias muito obstruídas.
Meu
cérebro há semanas vinha se torturando com o risco da cirurgia, desde quando os
médicos decidiram que nem três fileirinhas de stents resolveriam o assunto.
Imaginava,
apesar de meus protestos pré-frontais, todo tipo de catástrofe que poderia
acontecer durante a cirurgia -do choque anestésico ao coração não voltar a
bater-, e várias vezes sofri por antecipação o anúncio da morte do meu pai, com
os requintes de como passá-lo aos netos, para quem o avô é Deus.
Meu
plano para o dia da cirurgia era trabalhar normalmente no laboratório, para
passar o tempo. Tolinha.
Acordei
pensando que meu pai já devia estar entubado, com o tórax aberto. Experimentei
levantar, mas descobri que apenas andava desnorteada pela casa, querendo que
meu marido decidisse por mim se deveria comer, me vestir ou beber água.
Acabei
arranjando um trabalho repetitivo para fazer no computador, que durou até a
noite, quando minha mãe ligou dizendo que havia acabado e estava tudo bem.
Chorei de alívio, e meus pensamentos catastróficos cessaram.
A
neurocientista de plantão explica. Mesmo sem aviso dos sentidos sobre a
cirurgia, a muitos quilômetros de distância, meu cérebro possui um hipocampo
capaz de projetar para o futuro combinações de suas memórias sobre meu pai e
cirurgias, que influencia o hipotálamo a fazer o corpo sofrer de acordo.
Eu
vivo, lembro do que vivi e faço previsões para o futuro. Se elas não são boas,
sofro desde já -e tiro vantagem do aviso sobre o quanto amo meu pai para
aproveitar bastante os dias ao seu lado.
Para
mim, portanto, o sistema nervoso é aquele que, entre outras coisas, dota os
animais de passado e futuro.
E,
agora que meu pai está bem de novo, me permite até voltar a curtir o presente
com ele.
_____________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário