Nosso
cérebro é uma máquina de processamento espetacular, capaz de coisas incríveis,
de deixar no chinelo este computador no qual eu estou batucando. Mas nem por
isso ele está livre de alguns bugs. Na realidade, o cérebro humano tem algumas
deficiências cognitivas crônicas. Ele é fantástico, mas tem algumas coisas que
ele erra quase sempre.
É
esse a tese central do excelente livro Rápido e Devagar: Duas formas de pensar,
do israelense Daniel Kahneman, um
estudioso das finanças e do comportamento humano que ganhou o Prêmio Nobel de
Economia em 2002.
Um dos bugs do cérebro
é mania de confundir “familiar” com “certo”. Quando nosso cérebro se depara
com algo que evoca uma lembrança do passado, ele tende a acreditar que essa
coisa está correta. Da mesma maneira, sempre que encontramos algo novo,
tendemos a desconfiar.
Kahneman acredita
que essa estratégia da mente provavelmente foi muito útil para os nossos
ancestrais. No mundo selvagem, fazia todo sentido se precaver contra novidades.
A cada vez que eles davam de cara com uma fruta que nunca tinham visto antes,
um animal desconhecido, uma paisagem estranha, suas mentes se alarmavam e
avisavam que a situação era de perigo. Mas, se o perigo não se confirmasse, a
memória desse primeiro encontro fazia com que a novidade ficasse familiar. Aí,
na próxima vez que aparecesse aquela fruta, aquele animal, aquela paisagem, o
cérebro avisaria: “fique tranquilo, está
tudo bem”.
Isso
fazia sentido naquele ambiente mais ou menos estável da pré-história, mas, no
mundo de hoje, em que nosso modelo de civilização precisa urgentemente mudar de
direção, esse bug da mente custa caro. Por mais que a razão nos diga que
precisamos mudar hábitos, nosso cérebro olha para os problemas e pensa “fique tranquilo, está tudo bem”.
É
por isso que, por mais que esteja claro que os políticos tradicionais, com seus
ternos bem alinhados e seu discurso escorregadio, deixaram há muito tempo de
nos representar, a maioria de nós continua caindo nos mesmos truques
eleitoreiros e votando no mesmo tipo de gente.
É
por isso também que tendemos a achar normal coisas que não têm nada de normal.
Por exemplo, as ruas das cidades estão tão entupidas de carros que hoje a
velocidade média de cada veículo é bem mais baixa do que no tempo das carroças.
Ou seja, gastamos uma baba de dinheiro e recursos naturais em troca de nenhum
ganho de mobilidade, e ainda por cima causamos danos seríssimos ao clima e à
saúde – perdemos em todos os aspectos. Mas
carros são familiares – e portanto parecem certos. A maioria das pessoas
continua achando perfeitamente normal gastar uma fortuna para comprar uma
dessas máquinas de se locomover que não se locomovem.
Da
mesma forma, nos acostumamos com o fato de que nossas cidades viraram
presídios. Vivemos cercados de trancas, câmeras, holofotes, gastamos uma
fortuna em equipamentos de segurança e, como resultado, as ruas ficam desertas.
Ironicamente, a falta de gente acaba tornando as cidades mais perigosas, porque
nada é mais seguro do que uma calçada cheia de gente. Embora essa decisão não
faça sentido, continuamos erguendo mais muros e instalando mais câmeras. Afinal, é assim a cidade com a qual nos
acostumamos – e, se é familiar, deve estar certo.
A construção do mundo novo
depende de corrigirmos esse bug cerebral. Kahneman ensina que
o melhor jeito de fazer isso é usar a mente racional. A cada vez que algo
parecer familiar e sua mente “rápida” nos disser que aquilo está certo, é nossa
obrigação parar para pensar. Assim ligamos a mente “devagar”, essa sim capaz de
tomar decisões sem bug algum. É hora de se perguntar: “será que isso está certo?” Ou será que só parece certo?
Por
Denis Russo Burgierman
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