Com
60 anos de carreira, 22.794 citações em periódicos, 60 premiações e 710 artigos
publicados, Ivan Izquierdo é o neurocientista mais
citado e um dos mais respeitados da América Latina. Nascido na Argentina, ele
mora no Brasil há 40 anos e foi naturalizado
brasileiro em 1981. Hoje, coordena o Centro
de Memória do Instituto do Cérebro da PUC-RS.
Suas pesquisas ajudaram a entender os diferentes tipos de
memória e a desmistificar a ideia de que áreas específicas do cérebro se
dedicariam de maneira exclusiva a um tipo de atividade.
Ele conversou com a Folha durante o Congresso Mundial do Cérebro, Comportamento
e Emoções, em Buenos Aires. Izquierdo
foi o homenageado desta edição do congresso.
Na entrevista, o cientista fala sobre a utilidade de
memórias traumáticas, sua descrença em métodos que prometem apagar lembranças e
diz que a psicanálise foi superada pelos estudos de neurociência e funciona
hoje como mero exercício estético.
É
possível apagar memórias?
Ivan
Izquierdo – É possível evitar que uma memória se
expresse, isso sim. É normal, é humano, inclusive, evitar a expressão de certas
lembranças. A falta de uso de uma determinada memória implica em desuso daquela
sinapse, que aos poucos se atrofia.
Fora disso, não dá. Não existe uma técnica para escolher
lembranças e então apagá-las, até porque a mesma informação é salva várias
vezes no cérebro, por um mecanismo que chamamos de plasticidade. Quando se fala
em apagamento de memórias é pirotecnia, são coisas midiáticas e
cinematográficas.
O
senhor trabalha bastante com memória do medo. Não apagá-las é uma pena ou algo
a ser comemorado?
A
memória do medo é o que nos mantém vivos. É a que pode ser
acessada mais rapidamente e é a mais útil. Toda vez que você passa por uma
situação de ameaça, a informação fundamental que o cérebro precisa guardar é
que aquilo é perigoso. As pessoas querem apagar memórias de medo porque muitas
vezes são desconfortáveis, mas, se não estivessem ali, nos colocaríamos em
situações ruins.
Claro que esse processo causa enorme estresse. Para me
locomover numa cidade, meu cérebro aciona inúmeras memórias de medo. Entre
tê-las e não tê-las, prefiro tê-las, foram elas que me trouxeram até aqui, mas
se pudermos reduzir nossa exposição a riscos, melhor. O problema muitas vezes é
o estímulo, não a resposta do medo.
Mas
algumas memórias de medo são paralisantes, e podem ser mais arriscadas do que a
situação que evitam. Como lidar com elas?
Antes
parado do que morto. O cérebro atua para nos preservar, essa é a
prioridade. Claro que esse mecanismo é sujeito a falhas. Se entendemos que a
resposta a uma memória de medo é exagerada, podemos tentar fazer com que o
cérebro ressignifique um estímulo. É possível, por exemplo, expor o paciente
repetidas vezes aos estímulos que criaram aquela memória, mas sem o trauma.
Isso dissocia a experiência do medo.
Isso
não seria parecido com o que Freud tentava fazer com as fobias?
Sim,
Freud foi um dos primeiros a usar a extinção no tratamento de fobias,
embora ele não acreditasse exatamente em extinção. Com a extinção, a memória
continua, não é apagada, mas o trauma não está mais lá.
Mas muitos neurocientistas consideram Freud datado.
Toda teoria envelhece. Freud é uma grande referência, deu
contribuições importantes.
Mas a psicanálise foi superada pelos estudos em
neurociência, é coisa de quando não tínhamos condições de fazer testes, ver o
que acontecia no cérebro. Hoje a pessoa vai me falar em inconsciente? Onde
fica? Sou cientista, não posso acreditar
em algo só porque é interessante.
Para
mim, a psicanálise hoje é um exercício estético, não um tratamento de saúde. Se
a pessoa gosta, tudo bem, não faz mal, mas é uma pena quando alguém que tem um
problema real que poderia ser tratado deixa de buscar um tratamento médico
achando que psicanálise seria uma alternativa.
E
outros tipos de análise que não a freudiana?
Terapia cognitiva, seguramente. Há formas de fazer o
sujeito mudar sua resposta a um estímulo.
por Juliana Cunha/Folha de S.Paulo
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