Capacidade intelectual difere de uma pessoa para outra
não é novidade. O desafio da ciência tem sido descobrir como e por que essas
variações ocorrem. Recentemente, pesquisadores deram um passo importante:
constataram que uma das chaves para entender esse mistério está na memória de
curto prazo.
Pessoas mais inteligentes costumam obter melhor
aproveitamento na escola, costumam ter mais chances de ocupar postos de
trabalho nos quais têm autonomia e recebem salários acima da média. Além disso,
são mais atentas a estratégias que favoreçam sua saúde, tanto física quanto
mental – e vivem mais tempo. É claro que só o aspecto cognitivo não basta, mas
pesquisas têm mostrado que os benefícios de um alto nível intelectual são
numerosos – assim como as desvantagens de uma inteligência pouco privilegiada.
Obviamente existem exceções, mas essa é a norma vigente na sociedade ocidental
atual.
Não por acaso, em vários países os programas de pesquisa
destinados a melhorar a inteligência se encontram entre os que recebem mais
investimento. Cada vez mais há consenso de que melhorar a inteligência da
população é relevante, sobretudo pelos benefícios obtidos quando esse objetivo
é alcançado.
Contudo, seguimos sem uma resposta clara sobre como
conseguir isso. Estudos revelam que os ganhos obtidos por meio de estratégias
de melhora cognitiva se dissipam com o passar do tempo após a intervenção ser
concluída. Pelo menos é esse o parecer oficial da Associação Americana de
Psicologia depois da revisão de dezenas de pesquisas nessa área.
Mecanismos
mentais
Nesse contexto está enquadrada, em parte, a intenção de
encontrar os mecanismos mentais e cognitivos básicos sobre os quais se apoia a
inteligência. Há muitos anos, cientistas vêm insistindo que alguns processos
mnêmicos são essenciais para a inteligência. A memória operativa (ou de trabalho)
constitui um rico e complexo mecanismo mental, mas seus processos mais básicos
se consolidam sobre o armazenamento temporal da informação relevante.
A memória operativa permite o “uso” de determinada
informação durante um breve período. Por exemplo, compreender a frase que você
está lendo neste exato momento exige a capacidade de conservar na lembrança a
primeira parte do que foi apreendido até que seja lido todo o resto – e, assim,
o trecho do texto faça sentido. Trata-se da memória “de ação”, não para
armazenamento, como um arquivo. Afinal, não é possível entender o que não
lembramos nem podemos raciocinar a respeito de um problema que não temos em
mente e cujos detalhes vão se perdendo à medida que procuramos solucioná-lo.
Não é possível resolver uma questão se alguns de seus elementos se perdem no
caminho ou considerar uma informação que vai se “desfazendo”.
Existe uma extensa pesquisa sobre o tema ainda não
concluída – portanto, ela é parcial. Os estudos se concentram apenas em algumas
variáveis potencialmente relevantes, sendo raros os que consideram a maior
parte delas de forma simultânea. Tratamos desse impasse no artigo “Podemos
reduzir a inteligência fluida à memória de curto prazo?”, publicado no
periódico científico Intelligence. Geralmente são medidas algumas capacidades
intelectuais básicas: inteligência fluida ou abstrata, cristalizada ou cultural
e visuoespacial. Também costumam ser avaliados aspectos como funcionamento
executivo, atenção, velocidade mental, memória de curto prazo e memória
operativa. Considerando-se as relações recíprocas, foi descoberto que o
elemento comum na memória de curto prazo, na memória de trabalho e no
funcionamento executivo – ou seja, o armazenamento temporal da informação – se
encontrava profundamente associado à inteligência fluida.
Conservar
a informação
Na prática, esse resultado nos leva a supor que as
pessoas mais inteligentes têm maior capacidade para conservar, em estado ativo,
a informação considerada mais relevante durante o tempo necessário para ser
utilizada. Já aspectos como rapidez de raciocínio ou concentração são
considerados secundários quando se trata do armazenamento de curto prazo.
Tal resultado corrobora as conclusões de outras pesquisas
nas quais foram usados outros métodos de investigação. De um lado, os estudos
de neuroimagem revelam que a inteligência e a memória de curto prazo
compartilham um suporte neuroanatômico distribuído em regiões-chave dos lóbulos
frontais e parietais. De outro, o treinamento adaptativo cognitivo embasado no
aumento da capacidade para supervisionar uma maior quantidade de informação
durante determinado tempo eleva significativamente o rendimento nos testes que
valorizam a inteligência fluida.
Curiosamente, capacidades intelectuais superficialmente
muito diferentes parecem encontrar-se fortemente ligadas por alguma classe de
limitação compartilhada. Quando pudermos superar essa dificuldade, talvez
estejamos mais perto de atingir um objetivo que fascina tanto cientistas quanto
leigos: encontrar formas de nos tornarmos mais inteligentes.
O
AUTOR
ROBERTO
COLOM é doutor em psicologia, professor da Universidade Autônoma de Madri.
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