Embora
a maioria das pessoas com depressão se beneficie de psicoterapia associada a
medicações ou até apenas da psicoterapia, existe um pequeno percentual de
pacientes que não responde a nenhuma intervenção convencional.
Conheci
Clara no saguão de um hotel onde estive hospedada na China. Ela chorava
desolada, sentada numa poltrona, quando uma conhecida pediu que eu me
aproximasse da mulher. “Você é psicóloga, fala com ela”, insistiu. Eu me
apresentei, perguntei se poderia ajudar. “Não tem o que fazer, eu só tenho
vontade de morrer.” Indaguei se poderia ficar sentada ao seu lado e ela fez um
gesto mínimo, de consentimento, desses que a gente percebe mais facilmente
graças a anos a fio de escuta na clínica.
Após um período em silêncio, lado a
lado, Clara, uma italiana de 49 anos, me contou em um espanhol fluente (língua
de seus pais), entrecortado por soluços e pausas, em que parecia arrebanhar
forças para continuar a saga vivida nos últimos
25 anos. Desde jovem enfrentava uma depressão persistente, diagnosticada
inúmeras vezes por diversos profissionais da área da saúde mental. Contou que os remédios não faziam efeito por
mais que insistisse em manter a medicação prescrita pelos neurologistas e
psiquiatras.
Tentara psicoterapia, terapias alternativas, exercício físico e
passara por duas internações. A
meditação a acalmava e aquela viagem pela Ásia com um grupo de amigos era mais
uma tentativa de lidar com seus medos, inseguranças e profundo desânimo. Ainda
assim, em momentos como aquele que precedera nosso encontro, a angústia a
assaltava de repente. Clara me falou do companheiro de 13 anos, tão paciente,
mas que andava tenso por não saber mais como ajudá-la, e do quanto ela não se
sentia em condições de compartilhar a responsabilidade pelo comércio que
mantinham juntos.
Depreciava-se e sentia-se culpada por não conseguir desfrutar
do que sabia – pelo menos racionalmente – haver de bom em sua vida.
Ainda nos
encontramos algumas vezes e em certos momentos Clara sorria, mais tranquila,
equilibrada; em outros, parecia que uma sombra a rondava. Quando nos
despedimos, ela agradeceu a companhia e me confidenciou: “Faria qualquer coisa
para encontrar o tratamento certo, que me salvasse dessa dor.”
Embora tenha
ouvido tantas pessoas em situação semelhante no consultório, o sofrimento de
Clara me impressionou pela duração – quase três décadas é tempo demais para
viver com uma sensação profunda de tristeza, desinteresse pelas tarefas
cotidianas, sensação de culpa e inutilidade, entrecortada por curtos períodos
de calmaria, em que algum tratamento se mostrava inicialmente eficiente, para
logo ser surpreendida pela persistência dos sintomas.
Embora
a maioria das pessoas com depressão se beneficie de psicoterapia associada a
medicações ou até apenas da psicoterapia, existe um pequeno percentual de
pacientes que não responde a nenhuma intervenção convencional.
Clara está entre
os milhões de seres humanos em todo o mundo que não respondem a intervenções
para aliviar o desconforto psíquico.
É para esses pacientes que os cientistas
Helen Mayberg e Andres Lozano, autores do texto de capa desta edição,
desenvolveram uma neurocirurgia para tratar a depressão refratária por meio do
implante de eletrodos de estimulação cerebral profunda. A técnica, que ainda
deve ser bastante estudada nos próximos anos, já tem sido utilizada em vários
hospitais. Certamente não é primeira opção terapêutica para a depressão,
considerando o quanto é invasiva – mas pode ajudar pessoas como Clara a
recobrar a autonomia sobre sua própria vida.
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