Cultivamos o mito de que se nos amamos e permanecemos
juntos tudo ficará bem. Mas em civilizações como a nossa, obcecadas com a
satisfação, prevalecem também a competição e a inveja.
Butão e Costa Rica disputam atualmente o título mundial
de felicidade. Nos anos 30, o troféu coube às Ilhas Salomão, onde os
antropólogos mostraram que havia liberdade com os costumes sexuais e
compreensão para com a educação das crianças. Na Idade Média os paraísos
medievais eram feitos de comida abundante e segurança, assim como as utopias
modernas giraram em torno da liberdade e da igualdade. As variações de conteúdo
sugerem uma constante: a felicidade é composta do que nos falta, mais
exatamente, da relação com o que nos falta. Se entre nós e o que nos falta está
o trabalho, temos uma relação com a felicidade. Se entre nós e o que nos falta
está o amor, eis que a felicidade muda de figura. Se nos falta dinheiro, poder
ou fama, ali estará a substância da felicidade.
A felicidade depende da teoria da transformação que
carregamos conosco. Se entre nós e o que nos falta existe apenas e tão somente
uma imagem, a transformação desta imagem será o processo mesmo a que chamaremos
felicidade. Se entre nós e o que nos
falta existe um oceano (que nos levaria às Ilhas Salomão), então nossa
felicidade tem estrutura de viagem. Se entre nós e a felicidade está a presença
incômoda de pessoas indesejáveis e seus costumes perturbadores, então nossa
felicidade seguirá a gramática da guerra ou da segregação.
O terceiro critério de produção da felicidade diz
respeito ao outro. Por exemplo, nos faltam asas, mas em geral não nos
lamentamos sobre isso. Afinal, ninguém tem asas. Nossa felicidade depende de
como supomos a felicidade de nosso vizinho. Se ele aparecesse com asas
biônicas, imediatamente nos tornaríamos seres infelizes, afetados por esta
privação. Civilizações obcecadas com felicidade, como a nossa, são também
culturas de inveja e da competição.
É porque nossa felicidade depende de nossa teoria
transindividual da transformação em relação ao que nos falta que a tarefa de
educar nossas crianças tornou-se um desafio contemporâneo. Queremos tanto
fazê-las felizes porque isso realiza nossa felicidade, satisfação perdida. Aqui
a armadilha tem sido fatal. Imaginamos que o encontro de contrariedades reais
traz infelicidades, por isso tentamos poupar nossos alunos de experimentarem
sua própria falta. Supomos, depois, que nossa teoria da transformação será
igual à deles (afinal, vivemos mais, sabemos como é o mundo), por isso não
trabalhamos para que eles construam responsabilidade ou implicação com a
felicidade que lhes concerne inventar.
Além disso, sancionamos a ilusão da felicidade indiferente, baseada no
conforto e na satisfação de si, custeada pelo mito de que se nós nos amamos e
ficamos juntos e protegidos tudo vai terminar bem. Infelizmente, usado desta
maneira o amor mata ou imbeciliza.
Praticada dessa maneira, produzimos com eles uma
felicidade feita de negação de diferenças reais (que, portanto, não serão
tratadas), de recusa de falsidade nas experiências de reconhecimento (que,
portanto, serão odiadas) e de imperativos de sucesso que correspondem à
realização, empobrecida, de nossa própria felicidade, não da deles.
É assim que
estamos prometendo uma felicidade venenosa e ainda queremos fazer das escolas
uma extensão deste projeto mórbido. Precisamos de uma felicidade mais cara –
esta está dando errado.
Christian
Ingo Lenz Dunker,
psicanalista, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo (USP).
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O Leblon pré-novelas do Manoel Carlos.
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A Casa Encantada
Contos do Leblon
Edmir Saint-Clair
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