Será um problema físico,
ou sinal de uma mente
atormentada?
Não dá para ler, não dá
para trabalhar.
Existem os que deitam na
cama e dormem. Simplesmente dormem, dormem a noite inteira e acordam na manhã
seguinte leves, descansados, de bom humor. E há os outros, os que não têm sono
nunca.
Mesmo que estejam
cansados, exaustos, eles simplesmente não conseguem dormir. A cabeça não para
de pensar, seja no que for; esses não têm descanso, não têm paz, e volta e meia
olham o relógio para ver quanto tempo se passou, há quanto tempo estão
tentando, quanto falta para o dia clarear, e pensam em como vão poder trabalhar
no dia seguinte, já que não dormiram.
Dizem que dormem bem os
que têm a consciência leve, mas conheço muitos que a têm bem pesada, mas que
põem a cabeça no travesseiro e dormem o sono dos justos.
Os insones tentam de
tudo. Desde os chás mais inocentes à ioga, aos antialérgicos -dizem que são
ótimos-, até chegarem aos quase pré-anestésicos. Com esses conseguem dormir por
algumas horas, mas como o efeito dura pouco, acordam de madrugada, ligados, sem
saberem o que fazer.
Como se conhecem bem,
evitam pensar em problemas, em tristezas. Fazem planos para uma futura viagem,
uma possível mudança de casa, de vida, não pensam nunca em coisas tristes e
fazem os planos mais absurdos para o futuro, mas nem assim.
Conheço um que escolheu
o número 650, sei lá por que, e vai contando ao contrário: 649, 648, e assim
vai indo -e nada. Quando consegue dormir um pouquinho, é um sono tão leve que
nem tem a certeza se dormiu ou não.
Será um problema físico,
ou sinal de uma mente atormentada? Nas horas em que ficou estabelecido que
devemos estar dormindo, não dá para ler, não dá para trabalhar, não dá para
fazer nada, a não ser ficar agoniado e pedir a Deus para adormecer. Com o
universo dormindo, os insones só pensam em uma coisa, que é também dormir.
Conheço um a quem
aconselharam chá de maconha; ele comprou um pacotinho -todo mundo tem um amigo
para essas coisas-, disse para que era (o amigo não acreditou), fez o chá, e
nada. Pensou então que seu sonho seria um anestesista todos os dias, às 11h30
da noite.
Esse mesmo amigo, depois
de consultar vários médicos, soube que a partir dos 60 ninguém precisa das
famosas oito horas de sono; cinco são mais do que suficientes, e deram o
exemplo dos bebês, que quando nascem, dormem quase o tempo todo. Ok, cinco
horas por noite; mas como conseguir dormir cinco, e como administrar o resto do
tempo?
Ele tentou alugar
filmes; vários filmes. Se eles eram bons, o sono não vinha, claro, e se eram
ruins, não dava para assistir. Não, não foi por aí. Uma sexta-feira resolveu
não tomar remédio algum e passar a noite em claro sem angústia, sem pensar em
dormir; o tempo não passava, aconteceram alguns cochilos, e só.
Lembrou que nunca dorme
em longas viagens de avião, mas tinha pelo menos no que pensar: como seria bom
quando chegasse, as coisas que iria ver, as novidades de uma cidade nova. Mas
dentro do quarto era bem diferente. Se ao menos o telefone tocasse; mas quem
iria telefonar às 3h da manhã?
Teve a ideia de fundar
um clube, o clube dos que não dormem, para ter com quem falar, nas madrugadas,
mas o projeto não prosperou.
Vou confessar: tudo o
que contei se refere a mim, que nunca tenho sono, e mesmo quando tomo uma bola,
resisto a dormir, penso que com medo.
Porque dos pensamentos
consigo me defender, mas não dos sonhos.
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