O
movimento dos olhos pode dar pistas
sobre
a tomada de decisões e a memória
Dizem
que os olhos são as janelas da alma e revelam emoções profundas.
Apesar
de a Ciência moderna não reconhecer a existência de uma alma, ela sugere que há
um tanto de verdade nesse ditado: os olhos não só refletem o que está
acontecendo no cérebro como também podem influenciar a maneira como nos
lembramos das coisas e tomamos decisões.
Nossos
olhos estão em constante movimento e, enquanto alguns destes são controlados,
muitos ocorrem inconscientemente.
Quando
lemos, por exemplo, fazemos uma série de deslocamentos oculares muito rápidos,
fixando o olhar em uma palavra após a outra – os chamados movimentos sacádicos.
Mas ao percorrermos uma sala com os olhos, esse movimento é mais amplo.
Há
ainda as pequenas movimentações involuntárias que fazemos com os olhos quando
caminhamos, para compensar o balanço da cabeça e estabilizar o olhar. Isso sem
falar nos rapidíssímos movimentos durante o sono que dão nome à fase REM
(“Rapid Eye Movement”).
O
que se sabe agora é que alguns dos movimentos oculares podem ser realmente
reveladores do nosso processo de pensamento.
Indicadores
para adivinhações
Pesquisa
publicada em 2014 por cientistas da Universidade de Leiden, na Holanda, mostra
que a dilatação das pupilas está ligada ao grau de incerteza de uma pessoa
durante uma tomada de decisão: se alguém está menos seguro sobre sua escolha,
acaba ficando mais agitado, e suas pupilas se dilatam.
Essa
alteração nos olhos também pode revelar o que a pessoa que tomou uma decisão
está prestes a dizer. O estudo descobriu, por exemplo, que observar a dilatação
possibilita prever quando uma pessoa cautelosa que sempre responde “não” está à
beira de anunciar que optou por um “sim”.
Observar
os olhos pode até mesmo ajudar a prever o número que uma pessoa tem em mente.
Pesquisadores do departamento de Psicologia da Universidade de Zurique
recrutaram 12 voluntários e descobriram que a direção e a amplitude dos
movimentos dos olhos antecipavam com precisão se o número que eles estavam
prestes a dizer era maior ou menor do que o anterior – e qual a diferença entre
os dígitos.
O
olhar de cada voluntário se deslocava para cima e para a direita antes que eles
dissessem um número maior, e para baixo e para a esquerda antes de um menor.
Quanto mais extrema a mudança de um lado para o outro, maior a diferença entre
os números.
Pensar
em um número e olhar para o alto e à direita pode indicar um dígito alto em
mente
Isso
sugere que nós, de alguma forma, vinculamos representações numéricas abstratas
no cérebro ao movimento espacial.
Mas
o estudo não nos diz se o pensamento em um determinado número provoca
alterações na posição dos olhos, ou se é a posição do olho que influencia nossa
atividade mental.
Em
2013, pesquisadores na Suécia publicaram provas de que a última hipótese é que
vale: os movimentos dos olhos podem realmente facilitar a recuperação da
memória.
Memória
visual
Eles
recrutaram 24 estudantes e pediram para cada um observar cuidadosamente uma
série de objetos mostrados a eles no canto de uma tela de computador. Em
seguida, os voluntários escutavam afirmações sobre o visual de alguns dos itens
e tinham que responder rapidamente se eram falsas ou verdadeiras.
Alguns
participantes foram autorizados a deixar seus olhos vagar livremente; outros
foram orientados a fixar o olhar em uma cruz no centro da tela ou no canto onde
o objeto tinha aparecido.
Os
cientistas notaram que aqueles que tinham permissão para mover os olhos
espontaneamente durante o questionário se saíram significativamente melhor do
que aqueles que tiveram que fixar o olhar na cruz.
Curiosamente,
porém, os voluntários que foram orientados a fixar o olhar no canto da tela
tiveram um melhor desempenho do que os demais.
Isso
sugere que os movimentos oculares mais próximos daqueles realizados durante a
codificação da informação correspondem aos que ocorrem durante a recuperação
dessasinformações.
Isso
pode ocorrer porque os movimentos dos olhos nos ajudam a recordar as relações
espaciais entre objetos no ambiente no momento da codificação.
Esses
movimentos dos olhos podem ocorrer inconscientemente. “Quando as pessoas estão
olhando para cenas que já assistiram antes, seus olhos são frequentemente
atraídos para informações já vistas, mesmo quando elas não têm nenhuma memória
consciente disso”, diz Roger Johansson, psicólogo da Universidade de Lund, que
liderou o estudo.
Influenciando
decisões
A
observação dos movimentos oculares também pode ser usada para dar um
empurrãozinho para que alguém mude de ideia sobre determinado assunto. Talvez
seja preocupante, mas um estudo recente da University College London, na
Grã-Bretanha, mostrou que rastrear o olhar pode servir para influenciar
decisões.
No
estudo, pesquisadores questionaram os voluntários sobre assuntos morais – por
exemplo, se acreditavam em afirmações como “um assassinato pode ser
justificável”. Em seguida, eram exibidas na tela duas alternativas (“às vezes
justificável” ou “nunca justificável”).
Ao
rastrear os movimentos dos olhos dos participantes, e removendo as duas opções
de resposta imediatamente após um participante ter passado um determinado
período de tempo olhando para uma das duas opções, os cientistas descobriram
que podiam fazer os voluntários escolher aquela opão como a sua resposta.
“Não
demos a eles nenhuma informação”, diz o neurocientista Daniel Richardson, da
Universidade College London, autor principal do estudo. “Simplesmente esperamos
por seus próprios processos de tomada de decisão e os interrompemos exatamente
no ponto certo. Conseguimos fazer eles mudarem de ideia apenas controlando o
momento em que tomaram a decisão.”
Rastreamento
invasivo
A
onipresença de aplicativos de rastreamento ocular para smartphones e outros
dispositivos portáteis aumenta a possibilidade de alterar o processo de tomada
de decisão das pessoas remotamente.
“Se
você está fazendo uma compra online, sua decisão pode ser influenciada por uma oferta
como frete grátis, no momento em que você mudar o seu olhar para um determinado
produto”, afirma Richardson.
Portanto,
os movimentos dos olhos podem tanto refletir e influenciar importantes funções
mentais, como a memória e a tomada de decisões, como trair nossos pensamentos,
crenças e desejos.
Esse
conhecimento pode nos ajudar a melhorar nossas funções mentais – mas também nos
deixa vulneráveis à manipulação sutil por outras pessoas.
“Já
vi aplicativos de rastreamento ocular sendo utilizados para, por exemplo,
descobrir qual a função de telefone que você precisa”, acrescenta o
neurocientista. “Mas se eles forem deixados ligados o tempo todo, poderão ser
usados para rastrear outro tipo de informações.”
Versão
original desta reportagem em inglês no site BBC Future.
Fonte
indicada: BBC
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