Cada época, como cada idade da vida, tem o seu secreto e indizível e injustificável sentido de equilíbrio.
Por ele sabemos o que está certo e errado, sensato e ridículo. E isto não é só visível no que é produto da emotividade. É visível mesmo na manifestação mais neutral como uma notícia ou um anúncio de jornal. Donde nasce esse equilíbrio? Que é que o constitui? O que o destrói?
Porque é que se não rebentava a rir com os anúncios de há cento e tal anos?
Mas a razão deve ser a mesma por que se não rebentou a rir com a moda que há anos usávamos, os livros ridículos que nos entusiasmaram, as anedotas com que rimos e de que devíamos apenas rir. O homem é, no corpo como no espírito, um equilíbrio de tensões.
Só que as do espírito, mais do que as do corpo, se reorganizam com mais frequência. Equilibrado o espírito, surge uma ideia nova. Se não é expulsa, há nela a verdade. Porque a verdade é isso: a inclusão de seja o que for no nosso mecanismo sem que lhe rebente as estruturas. Ou: a coerência de seja o que for com o nosso equilíbrio espiritual.
A verdade é um modo de estarmos de bem conosco. Mas é um mistério saber o que nos põe a bem ou a mal. Os anúncios de há cem anos eram ridículos porque sim. Nos meus escritos de há anos, mesmo nos ensaios, aquilo de que me separo não são muitas vezes as ideias, a argumentação, mas um certo modo de se olhar para os argumentos, os problemas, um certo nível humano de encarar as coisas.
Leio um ensaio de há vinte anos e sinto que eu tinha menos vinte anos. Há um nível etário para a mesma verdade.
A verdade de que falei há vinte anos é-me exatamente a de hoje; e, todavia há uma defasagem no modo como corri para ela e me entusiasmei com ela e me comovi com ela. Tudo agora me acontece ainda, mas num registro diferente. Não é em si que as verdades envelhecem: é com as rugas que temos no rosto e na alma.
Vergílio Ferreira - Escritor português
28 Jan 1916 // 1 Mar 1996
_______________________________________________________________________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário