MARCELO GLEISER Acabou de receber, 18 de março de 2019, o Prêmio Templeton, o "Nobel da espiritualidade".
Forçar a rigidez é condenar
Forçar a rigidez é condenar
a congregação a viver no
passado
Em 2009, celebramos
dois grandes aniversários. O primeiro, o bicentenário do nascimento de Charles
Darwin e o sesquicentenário da publicação de seu revolucionário "A Origem
das Espécies".
O segundo, os quatrocentos anos da publicação do livro
"Astronomia Nova", em que Johannes Kepler mostrou que a órbita de
Marte é elíptica, inferindo que todas as outras seriam também.
No mesmo ano, 1609, Galileu Galilei apontou o seu
telescópio para os céus mudando a astronomia para sempre.
Em ambos os casos, as descobertas científicas criaram
sérios atritos com as autoridades religiosas. Atritos que, infelizmente,
sobrevivem de alguma forma até hoje, principalmente com as religiões
monoteístas que dominam o mundo ocidental e o Oriente Médio: judaísmo,
cristianismo e islamismo.
O momento é oportuno para iniciarmos uma reavaliação
das suas causas e apontar, talvez, resoluções.
Simplificando, pois temos apenas algumas linhas, o
problema maior não começa no embate entre a ciência e a religião. Começa no
embate entre as religiões. Existe uma polarização cada vez maior já dentro das
religiões entre correntes mais ortodoxas e aquelas mais liberais. As diferenças
são enormes. Por exemplo, no caso do judaísmo, podemos hoje encontrar rabinas
liderando congregações, algo que enfureceria ao meu avô e a seus amigos.
Nos EUA, algumas correntes protestantes, como os
episcopélicos, têm pastores e bispos abertamente homossexuais. Nessas correntes
mais liberais dentre as religiões se vê também uma relação completamente
diferente com a ciência.
Em vez do radicalismo imposto por uma interpretação
literal da Bíblia, as correntes mais liberais tendem a ver o texto bíblico de
forma simbólica, como uma representação metafórica de acontecimentos e fatos
passados com o intuito -dentre outros- de fornecer uma orientação moral para a
população. (A questão da necessidade de um código moral de origem religiosa
deixo para outro dia.)
Escuto pastores e rabinos afirmarem regularmente que é
absurdo insistir que a Terra tenha menos de 10 mil anos ou que Adão e Eva
surgiram da terra. Para um número cada vez maior de congregações, é fútil
fechar os olhos para os avanços da ciência.
Para eles, a preservação dos valores religiosos, da
coesão de suas congregações depende de uma modernização de suas posições de
modo que possam refletir o mundo em que vivemos hoje e não aquele em que
pessoas viviam há dois mil anos.
O mundo mudou, a sociedade mudou, a religião também deve
mudar.
Insistir na rigidez da ortodoxia é condenar a congregação
a viver no passado, numa realidade incompatível com a sociedade moderna. Se o
pastor ou rabino ortodoxo tem câncer e recebe terapia de radiação, ele deve
saber que é essa mesma radiação que permite a datação de fósseis com centenas
de milhões de anos. É hipocrisia aceitar a cura da radiação nuclear e ainda
assim negar os seus outros usos.
Fechar os olhos para os avanços da ciência é escolher um
retorno ao obscurantismo medieval, quando homens viviam suas vidas assombrados
por espíritos e demônios, subjugados pelo medo a aceitar a proteção de Deus. A
escolha por uma devoção religiosa -se é essa a sua escolha- não deveria ser
produto do medo.
No fim de semana passado, a catedral de São Paulo em
Melbourne, Austrália, ofereceu um simpósio sobre Darwin.
Nos EUA, outro
simpósio reuniu cerca de 800 pastores e rabinos para discutir modos de
reconciliação entre ciência e religião. Parece que finalmente um novo diálogo
está começando. Já era tempo.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do
Mundo".
Sempre acreditei que CIÊNCIA e RELIGIÃO pudessem chegar, algum dia, a serem COMPLEMENTARES. Meu pensamento, antes utópico, delineia-se possível graças a Deus e a cientistas como o Professor MARCELO GLEISER.
ResponderExcluirTenho fé no mundo. A esperança não morreu!
Obrigado meu Deus!!!